Como ser bom em relacionamentos mesmo sem limites

A Dança dos Padrões: Entendendo e Transcrescendo Mecanismos de Controle nas Relações

É comum que, em relacionamentos, estabeleçamos limites com a intenção de proteger algo ou alguém. Por exemplo, pode-se dizer: “Não estou preocupado que você vá embora por outra pessoa, mas você não deve cruzar este limite.” Embora pareça uma afirmação de confiança, a necessidade de estabelecer limites firmes pode, ironicamente, revelar medos profundos que residem no subconsciente.

O Paradoxo dos Limites e o Medo Subjacente

Quando questionamos a validade de um limite (“Por que você precisa estabelecer esse limite se você confia?”), a resposta frequentemente aponta para experiências passadas: “Acho que porque já aconteceu antes.”

Isso nos leva a uma reflexão crucial: o medo de traição, abandono ou rejeição pode estar motivando o estabelecimento de regras rígidas. Se a confiança fosse absoluta e inabalável, o controle sobre o comportamento alheio não seria necessário.

É interessante notar que, mesmo que a intenção consciente seja de liberdade, as ações podem ser interpretadas como controle. A chave, neste ponto, reside na conexão com a vulnerabilidade e na capacidade de expressar o que está surgindo no momento, em vez de tentar controlar o resultado futuro.

Se a intenção é evitar a dor de uma futura partida (“Eu não quero a chance de você não estar mais comigo porque vai falar com outro cara”), mas ao mesmo tempo se declara não estar preocupado, há uma tensão energética. O medo profundo de abandono ou traição pode estar presente, mesmo que se tente mascarar com uma atitude “cool”.

Vulnerabilidade vs. Controle: A Energia Importante

O ponto central não é eliminar todos os limites, mas sim a energia da qual eles emanam. É importante distinguir entre expressar vulnerabilidade sobre o que está surgindo e impor um limite por medo, com a expectativa de controlar o outro.

Se expressamos algo com vulnerabilidade, sem a vergonha de dizer: “Eu não devo fazer isso (pois isso me levaria a controlar você)”, a intenção é diferente. Quando o foco é controlar o outro para que ele faça o que queremos, estamos evitando algo. O que estamos evitando?

Muitas vezes, a resposta aponta para o investimento feito na relação: tempo, energia, dinheiro. O medo é que todo esse investimento seja desperdiçado se o parceiro não corresponder ou se afastar. Isso gera a pergunta: “Eu estou desperdiçando meu tempo?”

A energia que se coloca na relação é valiosa, e evitar o desperdício de tempo e energia leva a mecanismos de controle para garantir o retorno do investimento emocional.

Padrões de Controle e o Custo do Não-Cura

Muitas vezes, estabelecemos limites para evitar um processo de cura doloroso que já vivenciamos no passado. Evitar a dor significa evitar o confronto com sentimentos de abandono ou rejeição.

A raiz de muitos desses comportamentos é a evitação do sentimento. Se identificamos a traição como o medo central, precisamos investigar: de onde vem essa energia de traição?

A História da Traição e o Peso das Narrativas

A traição carrega uma “história muito pesada”. Essa narrativa (“Eu fui traído. Essa pessoa fez aquilo.”) atribui um peso enorme a um evento que, em sua essência, pode ser apenas um acontecimento neutro ao qual damos um significado desproporcional.

Esse peso surge da tentativa de evitar a dor que o significado da traição carrega. A história se transforma em um mandamento: “Eles nunca devem me trair.” Isso leva a ações controladoras, como estabelecer limites rígidos, na esperança de que isso garanta a permanência do outro e nos poupe de ter que fazer o trabalho de cura necessário.

No entanto, ao focar apenas em controlar o comportamento externo, continuamos no ciclo de jogar o “jogo” da sobrevivência, em vez de trabalhar o núcleo do problema.

A Necessidade de Ser Necessário: A Conexão com o Ego

A necessidade de ser necessário está profundamente conectada ao ego. Perguntamo-nos: “Que parte de mim se sente não necessária?”

A resposta pode ser a parte mais profunda de nós, o coração, que anseia por amor e por se sentir valorizado. O ego, ao querer ser necessário, está frequentemente tentando preencher uma lacuna de não-valorização.

A Simbologia do Subconsciente

Nosso subconsciente se comunica através de símbolos. O ego tenta controlar a realidade usando linguagem e visualização consciente, mas o subconsciente opera em um nível simbólico.

Imagine que você está em sua casa e bate alguém na porta: é uma parte da sua própria consciência, um “criança interior” que se sente carente, com vergonha, necessitada, não merecedora ou que pratica o *people-pleasing*.

A reação comum é: fechar a porta rapidamente e ir para outro lugar, evitando aquela parte de nós que não queremos encarar. Evitamos a emoção, evitamos a parte de nós que se sente carente.

Para se relacionar com essa parte, a sugestão é a seguinte:

1. Reconhecer a Criança Interior: Imagine essa versão de você (no exemplo, 8 anos) batendo à porta. O que ele sente? Ele aprendeu a reprimir sentimentos para não sentir dor.
2. Comunicação Autêntica: O que essa criança diria? “Eu preciso de ajuda. Eu preciso ser amado.”
3. Presença e Validação Interna: Responda a essa criança, afirmando seu valor intrínseco: “Você tem valor intrínseco e é digno.” É fundamental estar presente com essa parte de você e dizer: “Está tudo bem.”
4. Acolhimento: Imagine essa parte entrando em seu corpo e você respira nela. Se ela pudesse falar, diria: “Ame-me.”

Ao nos permitirmos sentir essa dor reprimida e abraçarmos o que foi ignorado, começamos a sair do ciclo de controle.

Evitando a Dor do Desconhecido

Muitas vezes, ficamos presos em padrões caóticos de altos e baixos porque o caos é familiar. Se crescemos em um ambiente caótico, o relacionamento tranquilo e recíproco pode parecer “chato” ou “errado” porque não fornece o estímulo (a “adrenalina”) ao qual nos acostumamos.

A atração por padrões repetitivos se deve à familiaridade. No entanto, a verdadeira conexão e a paz exigem que deixemos de lado o drama e abracemos o desconhecido:

* O desconhecido de estabelecer um limite autêntico (e não controlador).
* O desconhecido de confiar sem garantir o resultado.
* O desconhecido de ser vulnerável.

Ao se tornar consciente do padrão, você escolhe se continua jogando o jogo. Manter o padrão conhecido, mesmo após a consciência, é uma escolha, não um hábito inconsciente.

A verdadeira mudança acontece quando nos permitimos a vulnerabilidade de expressar o que sentimos no momento e permitimos que o outro seja responsável por suas próprias emoções e reações, sem assumir o papel de “salvador” ou “tutor” para trazer-lhes “paz”. A cura acontece na presença de uma testemunha empática, não na tentativa forçada de consertar o outro.